quinta-feira, março 15, 2012

Sobre o chamado quintessencial em "Out of the Past"

Um filme Noir, no seu significado mais genuíno, funciona bem quando nos evoca sua obscura e, em muito dos casos, complexa forma de narrar.

A começar pela fotografia em preto e branco, composta por famosos artifícios do expressionismo alemãoO uso manipulador de sombras, a combinação intercalada entre planos de baixa e alta luminosidade com singulares formas de revelar passagem do tempo, desde o flashback até a mais sofisticada analogia de imagens. Estes filmes que até hoje fazem de sua estética algo mais que fascinante são dotados de uma questão mitológica acerca da construção de um espelho negro da sociedade americana, questionando o otimismo do
American Way of Life.

Não se basta de questões estéticas, esta aclamada estirpe cinematográfica costuma apresentar fortes construções ideológicas, nas quais as principais discussões estão acerca da moral tida eventualmente como ambígua, assim como o perfil de seus personagens arquétipos, trazendo em muitos momentos ao espectador a impressão de uma narrativa confusa. Quando, na verdade, a maioria destes argumentos fílmicos caóticos propositalmente implica o efeito da dúvida na construção de resoluções para suas narrativas. 



No caso de FUGA DO PASSADO, reconhecido por muitos como o filme Noir legítimo e "quintessencial", os pressupostos deste gênero estão mais profissionalmente estabelecidos que nunca. Os protagonistas – Robert Mitchum, Jane Greer e Kirk Douglas – estão perfeitos em papéis que nas mãos de outros ameaçariam estar susceptíveis a interpretações mecânicas.
A cinematografia de Nicholas Musuraca se encontra brilhantemente com inesquecíveis diálogos sobre sexo, violência e traição. 

Elementos que se articulam de modo tão fatal quanto o homem apaixonado pela Femme Fatale é corrompido pelo retorno do passado. Apaixonado por uma mulher dividida, sobretudo, entre o seu amor e a relação duvidosa com um rico e cruel chefão do crime.


Quintessencial. Uma obra-prima.

domingo, março 04, 2012

Sobre a formação e a desconstrução do espaço social



Uma das obras-primas do diretor italiano Luchino Visconti, ROCCO E SEUS IRMÃOS (1960) reitera uma das discussões mais importantes do movimento neorrealista em que o diretor ficou conhecido, a influência derradeira que o espaço social possui diretamente na vida dos indivíduos. No melhor formato deste tipo de linguagem que ainda hoje enaltece o Cinema, os filmes italianos deste período evocam a realidade a partir de suas inúmeras questões livremente não respondidas, mas nunca traçadas sem propósito. Uma discussão que elucida a complexidade de seus personagens, mostrando que a resolução de seus problemas engana o espectador com identificações e promessas de felicidade, mas não o instiga a refletir sobre elas e – excepcionalmente – sobre o espaço social na qual elas estão inseridas.

Um épico familiar de três horas de duração que marca o seu ponto de vista acerca da desintegração de uma família pelo espaço urbano. Enchendo-se de um tom alegórico e melodramático, incisivamente contemplado pela composição brilhante de Nino Rota, o filme conta a história de uma família que deixa o espaço rural e adentra ao caos urbano de Milão sem prever completamente as consequências desta ação. Segmentado em trechos que estudam os seus personagens, o roteiro com a direção virtuosa de Visconti utiliza uma linguagem que faz a narrativa estruturada e linear envolver o espectador gradativamente. Como se fosse um balão cheio de ar sendo sistematicamente incomodado com o espetar de uma agulha, até que sua explosão seja brusca e irremediável. Convidado a uma experiência sensorial neste campo, o espectador conhece Rocco (Alain Delon) e seus irmãos, Simone (Renato Salvatori), Ciro (Max Cartier), Vincenzo (Spiros Focás), Luca (Rocco Vidolazzi). Como também as interpretações fortes e fascinantes de duas grandes mulheres: a matriarca Rosaria (Katina Paxinou) e a devassa Nadia (Annie Giardot).




(spoiler)


Deparando-se com as dificuldades de se alcançar estabilidade social e econômica na cidade grande, a família Parondi descobre na sua estrutura o reflexo disso. A partir dos eventos pelos quais Rocco e seus irmãos são acometidos e que transformam, desintegrando-os enquanto família. Rocco é um homem incomum, possui uma espécie de tom triunfante em todas suas atitudes, e é representado quase como um herói romântico, esculpido pelas tragédias que espreitam a sua existência. Ao se apaixonar por Nadia, a mulher do irmão Simone, Rocco se sacrifica em prol da família. O que há no processo entre estes acontecimentos são uma série de infortúnios que culminam em três cenas-chave: a amada de Rocco sendo estuprada na sua frente pelo irmão, a abdicação de sua amada por Rocco e posteriormente a morte dela. A composição fascinante dos elementos de Visconti traz muita poesia textual e imagética a esta realidade, e a eles não lhes falta nenhum caráter roteirístico romanesco que vá diminuir sua última e poderosa mensagem. Um íntimo e verdadeiro olhar questionador das circunstâncias que mantém unida uma família e suas resoluções que em muitas vezes escapam da vontade dos indivíduos, deixando-os absortos ante ao vazio que responde suas dúvidas.



As reflexões de Visconti em Rocco 
são como uma fonte inesgotável de si mesma,
ainda hoje provocariam outras.