terça-feira, junho 26, 2012

Sobre a cultura da tragédia



A Montanha dos Sete Abutres ("Ace in the hole"/"The Big Carnival") é um filme americano de 1951, do gênero Drama Noir, realizado por Billy Wilder. 

Sinopse: Albuquerque, Novo México. O repórter veterano Charles Tatum (Kirk Douglas) foi despedido de jornais por diversas razões. Ele está sem dinheiro, então pede a Jacob Q. Boot (Porter Hall), o dono do jornal local, que lhe dê um emprego e consegue. Seu plano era trabalhar ali até que surgisse a oportunidade de um grande emprego. Tatum sente-se totalmente entediado e sem motivação, então recebe ordem para cobrir uma corrida de cascavéis. Aparentemente seria outra matéria sem o menor atrativo, mas ruma para o local acompanhado por Herbie Cook (Robert Arthur), um misto de auxiliar, motorista e fotógrafo. No meio do caminho param para abastecer o carro e Tatum acaba descobrindo que Leo Minosa (Richard Benedict) ficou preso em uma mina quando procurava por "relíquias indígenas". Tatum sente que esta reportagem pode ser a chance que ele esperava, mas para isto precisa ter controle da situação. Ele transforma o resgate de Leo num assunto nacional, atraindo milhares de curiosos, cinegrafistas de noticiários e comentaristas de rádio, além de forçar Lorraine (Jan Sterling), a mulher de Leo, a se fazer passar por uma esposa arrasada. Tatum reduz deliberadamente a velocidade do resgate de Leo, pois o ideal é que ele fique preso por mais tempo em prol de uma notícia mais sensacionalista.




Billy Wilder constrói com seu olhar crítico brilhante um contemporâneo retrato do apelo sensacionalista midiático, num confronto de Film-Noir e comentário social feroz. Por excelência, as narrativas engendradas pelo estilo Noir tangem o escapismo com tramoias absurdas e deliciosas, trazendo ante ao depressivo pós-guerra um deleite que se apropria por conveniência de elementos como desespero, opressão social, violência e sexualidade. No entanto, ACE IN THE HOLE – uma verdadeira peça de tragédia jornalística que viria a ser intitulada posteriormente como THE BIG CARNIVAL para amenizar sem sucesso o efeito depressivo – torna-se inovador dentro da proposta noiresca e demanda que seja percebido com outro olhar.


Isto é, ao passo que muitos optam por um drama lunático, este debruça-se em partes no cinismo que angustiava as pessoas e noutras em comentários sociais que apresentam grande consciência do mundo real e ainda do que ele desencadearia para a nossa contemporaneidade. Notável por este absoluto pessimismo, o filme foi um fracasso de público e a explicação mais óbvia para isso se faz na recusa dos indivíduos como um todo em encarar o espelho. Quase nunca é fácil ir de encontro aos nossos maiores defeitos e fenômenos como o "American Way of Life" e o "Self-Made Man" podem estar por trás deste comportamento. Enquanto devasta-se Leo Minosa de desespero, no interior escuro da Montanha dos Sete Abutres, jornalistas e aproveitadores de várias profissões à luz do sol celebram a sua nova mina de ouro em cima da miséria de outro. Claro e escuro, um dilema imensamente adorado pelo estilo Noir, que nesta epifania de Wilder torna-se ainda maior e mais significativo. Aí tens uma questão picante para o "American Way of Life", aproveitar a vida sem medir os custos, perpetuando o giro capitalista na lógica de oferta e demanda. Se o público quer tragédia, terá tragédia – caso pague pela mesma.


Outra discussão valiosa e atual que aparece nos diálogos do filme diz respeito ao caráter da formação profissional jornalística. O personagem de Kirk Douglas confronta a formação do jovem fotógrafo que o acompanha, afirmando que obteve sucesso na área jornalística por saber o que deve constituir a história de uma boa notícia e não por frequentar uma escola. Podemos agora delimitar melhor a sua figura dentro dos aspectos do "Self-Made Man", um profissional formado pelo próprio esforço na produção do trabalho que ascende pelos frutos de seu engajamento e não pelo status de diploma. Pensando nisso, o filme fica ainda mais próximo do que o jornalista vive, nesta competição acirrada para determinar oficialmente quem pode exercer a profissão.


Uma das chaves do filme de Wilder é a noção de competição que nos é tão bem entregue que se faz inegável, em momentos que o protagonista deseja correr o risco do resgate não ser feito apropriadamente, apenas levando em consideração os valores da notícia e a sua ambição por um emprego melhor.
No desfecho talhado com o ápice de cinismo e entregue à grande interpretação de Kirk Douglas, o protagonista encara pela sociedade muito mais que um espelho: a Morte.
Perante a esta trágica instância, o seu inevitável arrependimento chega tarde demais para modificar a situação, mas no momento exato para eternizá-la como um dissabor definitivo de todo jornalista.


Dissabores jornalísticos.