quarta-feira, outubro 03, 2012

Assistir, amar e morrer


Cada filme de Douglas Sirk consegue um lugar especial no coração de seus fãs, mas poucos como "Amar e Morrer" (1958) conseguem ser eficientes para o mise en scène que torna o estilo sirkiano tão emblemático e divisor de águas na história do Cinema. John Gavin e Liselotte Pulver estrelam como o casal apaixonado, depois de um reencontro que acontece graças a segunda guerra.




A minha primeira impressão desta poderosa composição sirkiana, uma tragédia edificante até em seu título sobre os dois máximos pelo que a vida existe, aparece desmembrada no texto escrito por Godard numa edição de Cahiers du Cinéma. O aclamado diretor e crítico francês diz que o cinema sirkiano triunfa em sua beleza e ousa ainda dizer que quem não o enxerga, também não sabe o que é belo. Sua homenagem é longa, detalhada, cheia de pressupostos e até apressada em alguns momentos. Contudo, é a percepção curta e certeira do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder que me deixou petrificado ante a uma leitura crua, porém concisa e também apaixonada.  Segue um trecho da introdução ao capítulo de Sirk em seu livro precioso, "A Anarquia da Fantasia" (1984):

"Um filme é um campo de batalhas", disse Samuel Fueller, pouco depois de escrever um roteiro para Douglas Sirk, num filme de Jean-Luc Godard, que, antes de rodar o filme Acossado, escrevera uma homenagem ao filme Amar e Morrer, de Douglas Sirk. Tanto Godard, como Fuller ou eu, ou outro qualquer, não podemos chegar aos pés de Sirk. Para ele, o cinema era, como dizia, sangue, lágrimas, violência, raiva, amor e morte. [...] Ele também disse que a filosofia de um diretor está na luz e no enquadramento. E Douglas Sirk fez os filmes mais cuidadosos que já vi, filmes de alguém que ama os semelhantes e não os deprecia, como nós. (FASSBINDER, pág. 13)




Para Fassbinder, a guerra foi utilizada pelo diretor como um panorama genial aos protagonistas, desconstruindo alguns moralismos do livro que coloca o amor eterno impedido por um conflito social e mostra que especialmente aqui em filme, sob a maturidade sirkiana, representa-se a guerra como engrenagem para os personagens e a vida não seria maravilhosa se ela não tivesse eclodido tampouco. O pupilo alemão de Douglas Sirk mostra respeito e uma sabedoria incrível ao pontuar estes detalhes, driblando curiosamente o clichê que reproduzimos da superioridade literária em relação ao cinema.

Além de ser absurdamente bem filmada, a narrativa com sua representação das opressões nazistas conduzidas com cuidado e, tratando-se de tal complexidade, exprime valores com sensibilidade de caça e caçador, evitando o retrato comum de sociedade impiedosa. As pessoas tem consciência da pungência de uma guerra, mas há aceitação nesse desafio e os termos "amar" e "morrer", por um desfecho pleno de astúcia sobre o caráter humano, transitam entre o ideal de melodrama e um patamar trágico que vai além de sensibilizar, apresentando também o mote principal como qualquer coisa que não o amor, inerente excepcionalmente a perdas e danos. Um filme belo e edificante.

"Here's to everything that's been missing from our lives."

- Ernst Graeber