The revolution will not be televised. Direção: Kim Bartley, Donnacha Ó Briain. Produção: David Power. Irlanda: Power Pictures, 2003. 74 min. Colorido. Distribuição: Vitagraph Films.
Eleito democraticamente, o presidente venezuelano Hugo Chávez foi removido de seu posto por meio de um golpe de estado em abril de 2002. As cenas cruciais do evento, incluindo as imagens produzidas dentro do Palácio de Miraflores, onde Chávez estava detido, estão organizadas no documentário intitulado “A revolução não será televisionada” (Kim Bartley e Donnacha Ó Briain, 2003). Conforme o documentário e os fatos, articulados por meio de narração e linearidade cronológica, os cineastas irlandeses – Bartley e Ó Briain – chegam a Venezuela sete meses antes do golpe com o objetivo de desvendar mitos, rumores e compor uma biografia sobre Hugo Chávez, o herói do povo venezuelano. Para a surpresa dos dois irlandeses, estar no lugar certo, na hora certa, os contemplaria com imagens exclusivas para este documentário, que posteriormente seria premiado em importantes festivais europeus e norte-americanos.
Enfocando o papel da mídia nesse processo, é interessante observar o acontecimento por dois eixos: o poder político exercido nos meios de comunicação de massa e a linguagem midiática subsidiando implicações diretas na vida do cidadão venezuelano. Os próximos dois parágrafos comentam, respectivamente, a política comunicacional no golpe e a identificação dos papéis assumidos pela linguagem.
A crítica Ann Hornaday do jornal The Washington Post salientou a fisgada imediata exercida pelo documentário no espectador em função dos momentos de emoção, tensão e ocasionalmente terror. Hornaday pontua também a parcialidade dos fatos como consequência do material ser produzido por adeptos ao governo chavista. Observações como esta de natureza midiática e estratégica são similares ao discurso criticado pelo documentário, em que a figura política de Chávez é transposta por sua inspiração de liberdade bolivariana e proximidade ao governo de Fidel Castro com objetivo de persuadir a massa. Assim como aborda o documentário, não se pode omitir a conflituosa relação entre os EUA e a Venezuela. Chávez criticava as ações norte-americanas e buscava livrar a Venezuela do neoliberalismo imposto por Washington. Venezuela era considerada o quarto país de maior importância na exportação de petróleo e vivia intensa desigualdade social. Este empate de planos econômicos naturalmente implica na troca de pronunciamentos de caráter ofensivo, como evoca o documentário por meio de imagens das mídias norte-americanas. A elite ratificada pela mídia privada – que se opõe a Chávez – tinha poder e comunicação, enquanto o governo chavista não realizara política comunicacional, alerta o assessor de Chávez quando a situação se torna crítica no Palácio de Miraflores. Neste momento o presidente detido é ameaçado para que assine o contrato de resignação do posto ou seria bombardeado com sua equipe. A oposição tornou-se dominante quando empresários e generais, aliados em corrupção e insatisfeitos com a política econômica chavista, alcançam por meio da persuasão midiática a ativação da massa. A proposta de Chávez, que visava dividir os lucros do petróleo com toda população venezuelana, foi mascarada pela elite na mídia como uma tentativa de experimentar o comunismo e obteve sucesso a encenação. Ironicamente, a mesma proposta mais tarde seria uma das que aliciaria a massa chavista na reivindicação pela volta do presidente.
O mandato de Chávez havia começado três anos antes deste incidente e era marcado por controversas. No entanto, a ideologia chavista e suas propostas de um governo acessível ao público eram idealizadas pelas massas. O documentário não deixa detalhes como este passar em branco e dá visibilidade às ações sociais do governo. Hugo Chávez utilizara um programa semanal de rádio e TV para estabelecer proximidade com os seus eleitores. O narrador Ó Briain assinala a seguinte constatação: “In the past, venezuelan governments had imposed heavy censorship on the media, but on the Chávez’s there is now total freedom of expression” (“No passado, governos venezuelanos impuseram pesada censura na mídia, mas no governo de Chávez existe agora liberdade total de expressão”). Reconhecer a parcialidade do documentário é inevitável assim como os sujeitos que em teoria seriam implicados pela estratégia de Chávez, a camada pobre, constituída por 80% da sociedade venezuelana. Os discursos chavistas, televisados na maior parte das vezes pela TV Estatal (canal 8), criam analogias com o discurso libertador de Simon Bolívar, objetivando conscientizar a população da constituição e atingi-la com o seu plano de conquistas. Depois de detido, criticado, acusado de ter “insanidade mental”, “fixação freudiana” e de ser um “agente a serviço de Fidel Castro”, o presidente liberto Hugo Chávez sorri, pela vitória em defender a honra da constituição venezuelana, indiferente à oposição. A eficiência neste estruturado e discursivo documentário político configura um marco no jornalismo e é indispensável para o estudo dos diferentes papéis assumidos pela instituição midiática.
Um exercício de crítica à conveniência da mídia e a eficácia desta abordagem nos provoca uma única sensação: desligar a televisão!
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