segunda-feira, julho 30, 2012

Encarnada de vermelho escarlate

JEZEBEL. 1938. Direção: William Wyler. 
Bette Davis, Henry Fonda, George Brent.


"Jezebel" é Bette Davis que é Julie Marsden. Uma mimada belle sulista que detesta não ter seus desejos satisfeitos e paga o alto preço de sua ousadia. Esta pérola regionalista exalta o sul estadunidense, desvelando aos nossos olhos o que há por trás de toda aquela hospitalidade e harmonia racial que pisa fundo em solos de repressão e hipocrisia. É possível que seja ápice de sofisticação tanto para a premiada atuação de Bette Davis, explorada em sutilezas nas mãos do amante William Wyler, quanto a toda sua composição minuciosa de sonoridade, figurino, adaptação de roteiro, diálogos e edição. A história conta com uma delicadeza inenarrável que traz ganchos de uma cena para outra, convidando gradativamente o espectador ao sacrifício próprio de sua protagonista que se dá a partir de natural amadurecimento.

Indignada com a imponência masculina de seu amado em recusar-se a mimá-la, a Jezebel em Julie traz à tona os seus instintos mais femininos e sexuais pela escolha de usar um vestido vermelho num baile onde apenas o branco é permitido a uma garota virgem, rasgando contratos sociais. O golpe do filme é justamente não poder contemplar aquele vermelho, já que foi filmado em preto e branco. Aí a imaginação rola solta, dando espaço a mil possibilidades para todos estes lugares de transição onde se encontra nossa estimada protagonista.

Julie se arrepende do transtorno que causa ao seu amado e o término do noivado, adjunto aos eventos de uma região decadente que se debruça muito na competição com o norte e em duelos de cavalheiros por questões obsoletas, tem uma função transformadora. A protagonista que antes se perdeu em rebeldia contra a moral de condutas sociais, traz agora um olhar humilde à situação que pouco a acolhe, habitando a hostilidade de sua tragédia com arranjos de flores para administrar uma vida que aguarda por uma segunda chance com o seu amado. Quando ele retorna, está casado e a expressão de Bette Davis para a sequência é o charme que proíbe aquele Oscar de ser entregue a qualquer outra atriz. Uma reação terna, sóbria e plausível ao reconhecer que perdeu a sua chance.


A emergência da tribulação que biblicamente conjura na história a sua tragicidade, uma febre amarela que assola tudo, remonta em termos românticos a chance de redenção para sua protagonista. Taciturna e entregue genuinamente, sai Julie numa posição de não-jezebel e sucumbida à vontade de fazer bem a outro e – sejamos francos – a si própria. A direção absurdamente romântica de Wyler alcança toda a atmosfera fantástica na sua representação de uma Nova Orleans do século XIX. Com direito a canções com os escravos que se divertem livremente, ainda que acorrentados socialmente; Discussões sobre o que seria naquela época algo moderno, a emergência de abolicionistas e pensamentos contrários aos da maioria.

"Jezebel" pode não ter o mesmo peso cinematográfico e histórico de "...E o vento levou", mas certamente se destaca pela presença memorável de Bette Davis. A atriz transita numa direção de cena impecável, vestindo – no mínimo – quatro trajes de importância psicológica aos embates vivenciados pela sua personagem. Os dois primeiros dão forma a uma Julie insubmissa que chega atrasada na própria festa vestindo uma roupa aparentemente simples de montaria, atordoando os convidados com suas roupas de domingo, e o segundo é o infame vestido vermelho escarlate que escandaliza a sociedade no Olympus Ball. Na imagem abaixo, segue os trajes, respectivamente, de montaria e do vermelho escarlate.


Em contratempo, os dois últimos trajes se comportam numa Julie amadurecida que anseia por redenção. Primeiramente, o celestial vestido branco posto no retorno de seu amado como tentativa de cortejá-lo e, finalmente, a capa preta que a condena a uma ilha de leprosos para cuidar dele adoecido. Segue adiante estes outros dois momentos de extrema importância afetiva para Julie, que antes exaltava pelo seu figurino a sensualidade do feminino e, todavia, agora pede humildemente para que seja perdoada com estas peças que recorrem à ideia de redenção e sacrifício.



Não importaria se ela consegue ou não superar este desafio, o triunfo de Jezebel se enlaça na capacidade de aceita-lo, provando um sentimento nobre mesmo com tanta tribulação e, ainda que sejam raros os gestos altruístas, vale a pena ser bom e fiel a si próprio se isso também trará um pouco do mesmo ao próximo.





FIM