JEZEBEL. 1938. Direção: William Wyler.
Bette Davis, Henry Fonda, George Brent.
"Jezebel" é Bette Davis que é Julie Marsden. Uma mimada belle sulista que detesta não ter
seus desejos satisfeitos e paga o alto preço de sua ousadia. Esta pérola regionalista
exalta o sul estadunidense, desvelando aos nossos olhos o que há por trás de
toda aquela hospitalidade e harmonia racial que pisa fundo em solos de
repressão e hipocrisia. É possível que seja ápice de sofisticação tanto para a
premiada atuação de Bette Davis, explorada em sutilezas nas mãos do amante
William Wyler, quanto a toda sua composição minuciosa de sonoridade, figurino, adaptação
de roteiro, diálogos e edição. A história conta com uma delicadeza inenarrável
que traz ganchos de uma cena para outra, convidando gradativamente o espectador
ao sacrifício próprio de sua protagonista que se dá a partir de natural
amadurecimento.
Indignada com a imponência masculina de seu amado em recusar-se
a mimá-la, a Jezebel em Julie traz à tona os seus instintos mais femininos e
sexuais pela escolha de usar um vestido vermelho num baile onde apenas o branco é
permitido a uma garota virgem, rasgando contratos sociais. O golpe do filme é justamente
não poder contemplar aquele vermelho, já que foi filmado em preto e branco. Aí
a imaginação rola solta, dando espaço a mil possibilidades para todos estes
lugares de transição onde se encontra nossa estimada protagonista.
Julie se
arrepende do transtorno que causa ao seu amado e o término do noivado, adjunto
aos eventos de uma região decadente que se debruça muito na competição com o
norte e em duelos de cavalheiros por questões obsoletas, tem uma função
transformadora. A protagonista que antes se perdeu em rebeldia contra a moral
de condutas sociais, traz agora um olhar humilde à situação que pouco a acolhe,
habitando a hostilidade de sua tragédia com arranjos de flores para administrar uma vida que
aguarda por uma segunda chance com o seu amado. Quando ele retorna, está casado
e a expressão de Bette Davis para a sequência é o charme que proíbe aquele
Oscar de ser entregue a qualquer outra atriz. Uma reação terna, sóbria e
plausível ao reconhecer que perdeu a sua chance.
A emergência da tribulação que
biblicamente conjura na história a sua tragicidade, uma febre amarela que
assola tudo, remonta em termos românticos a chance de redenção para sua protagonista.
Taciturna e entregue genuinamente, sai Julie numa posição de não-jezebel e
sucumbida à vontade de fazer bem a outro e – sejamos francos – a si própria. A
direção absurdamente romântica de Wyler alcança toda a atmosfera fantástica na
sua representação de uma Nova Orleans do século XIX. Com direito a canções com os
escravos que se divertem livremente, ainda que acorrentados socialmente; Discussões
sobre o que seria naquela época algo moderno, a emergência de abolicionistas e
pensamentos contrários aos da maioria.
"Jezebel" pode não ter o mesmo peso cinematográfico
e histórico de "...E o vento levou", mas certamente se destaca
pela presença memorável de Bette Davis. A atriz transita numa direção de cena
impecável, vestindo – no mínimo – quatro trajes de importância psicológica aos
embates vivenciados pela sua personagem. Os dois primeiros dão forma a uma
Julie insubmissa que chega atrasada na própria festa vestindo uma roupa aparentemente simples
de montaria, atordoando os convidados com suas roupas de domingo, e o segundo é
o infame vestido vermelho escarlate que escandaliza a sociedade no Olympus
Ball. Na imagem abaixo, segue os trajes, respectivamente, de montaria e do vermelho escarlate.
Em contratempo, os dois últimos trajes se comportam numa Julie amadurecida
que anseia por redenção. Primeiramente, o celestial vestido branco posto no
retorno de seu amado como tentativa de cortejá-lo e, finalmente, a capa preta
que a condena a uma ilha de leprosos para cuidar dele adoecido. Segue adiante estes outros dois momentos de extrema importância afetiva para Julie, que antes exaltava pelo seu figurino a sensualidade do feminino e, todavia, agora pede humildemente para que seja perdoada com estas peças que recorrem à ideia de redenção e sacrifício.
Não importaria se ela consegue ou não superar este desafio, o triunfo de Jezebel se enlaça na capacidade de aceita-lo, provando um sentimento nobre mesmo com tanta tribulação e, ainda que sejam raros os gestos altruístas, vale a pena ser bom e fiel a si próprio se isso também trará um pouco do mesmo ao próximo.
FIM
que orgulho de ser amigo de um idílico e brilhante futuro jornalista!!!
ResponderExcluirObrigado, meu caro!
ResponderExcluirVocê escreve extremamente bem. A forma como evidenciou os aspectos importantes e também outros que passam despercebidos pelos olhos de alguns espectadores desse maravilhoso filme foi incrível.
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