sábado, setembro 28, 2013

BLUE JASMINE - Entre o sofrimento existencial e o perfume das flores, um dilema tennessiano.


PART I

Talvez até algum ponto da carreira de Woody Allen, nós poderíamos dizer que ali se mantinha uma estética com elementos constantes. Após os pontos altos e baixos nos anos 90 e na virada do século com a insistência na produção em série, o experimento em temas tão distintos acaba tornando diluída e questionável a impressão de sempre buscar na lembrança o seu personagem neurótico de amores nervosos, ainda que tenha se consagrado enquanto autor/dramaturgo. Woody Allen muda. É isto. Não é necessariamente algo negativo, diria que são fases diferentes onde o diretor aceitou estas mudanças e elas poderão ainda nos surpreender muito. BLUE JASMINE é o caso.

Os últimos filmes de Woody Allen tem variado conforme os lugares e as histórias que o diretor percorre, estes filmes nos tratam diferentemente, ainda que em comum haja a vontade de desvelar questões muito humanas. Entendendo-nos alguns como espectadores das histórias cômicas que desbravam suas risadas com a lembrança distante da eterna gargalhada de “Annie Hall” (1977), outros como sonhadores na espera de poder ver um filme cômico que motive a complexidade das questões de outrora. Hoje veremos um filme que retoma pela primeira vez a construção feminina e complexa de lugares em sua filmografia ocupados por “Husbands and Wives” (1992), “Hannah and Her Sisters” (1986) e outros de seus anos dourados.


BLUE JASMINE nos mostra a experiência de um autor que aceita a sua obra cruzada no reconhecimento daqueles que vieram antes, como Tennessee Williams. Pautando seu filme na construção sulista de um dos principais contribuintes do texto teatral americano, Woody Allen consegue brincar com duas questões de seu afã, o cruzamento entre a tragédia e a comédia, lembre-se de “Mighty Aphrodite” (1995), concebendo um trabalho fundamental para a atriz Cate Blanchett que vem de realizar no teatro uma leitura da construção do principal personagem tennessiano, Blanche DuBois.

A referência está além do explícito, desde a primeira linha do filme quando a protagonista enaltece o ex-marido e lembra de que “Blue Moon” era a música que tocava quando eles se conheceram. Em “Um Bonde Chamado Desejo” [1947], a irmã acostumada a uma vida simples e tomada pela virilidade de seu homem representa a fraqueza medíocre e a falta de refinamento, dentro da perspectiva de uma mulher perturbada pelo passado e atacada pelos nervos. Uma bela mulher que outrora conhecera a sofisticação, tagarelando “Paper Moon” ao banhar-se. E os impulsos libidinosos, nos braços de um jovem rapaz, dançando a varsouviana no Moon Lake Cassino.


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PART II

Décadas depois, estamos agora no momento americano de Woody Allen, visitando a grande São Francisco para construir enlaces romanescos, onde grandes obras como “Vertigo” de Alfred Hitchcock foram concebidas, uma mulher interpretada como a versão contemporânea de Blanche DuBois ainda intrigará muitos espectadores com a sua hipnótica sensibilidade. Na mesma medida que a personagem da peça encontra uma experiência de provação, Jasmine se vê desafiada à desconstrução do ideal de mundo que havia em si para, então, seguir em frente após um colapso de classes sociais, representado pela sua visita à irmã. Assim como na obra tennessiana, existe uma grande discussão acerca do passado, o grande mote do cinema Noir dos anos 40 e a principal recorrência das histórias policiais consumidas na época.

O passado representa um grande fantasma que retorna para pedir as contas e, num misticismo em nível do absurdo de que o destino ostenta sob os homens um poder imperdoável, ambas as histórias colocam o fardo da multa na costa de seus principais personagens, talvez os que menos estavam preparados para suportá-lo. Lembrando uma citação de Tennessee Williams sobre a compreensão das pessoas delicadas, a razão pela qual ele teria passado todo aquele tempo sulista num quarto preparando em sua singela máquina de escrever um bonde, uma metáfora de grande desejo que atravessaria a história do teatro americano, numa homenagem, especialmente, à sua irmã que havia sofrido com doenças e cuja sensibilidade lhe movia profundamente.

(De Elia Kazan, "A streetcar named desire", 1951)

BLUE JASMINE quebra a estrutura teatral da peça de Tennessee Williams, numa tentativa de utilizar o flashback e atualizar a própria condição de narração. No entanto, este recurso já muito desgastado pelo cinema dos anos 40 e 50 não funciona hoje com a mesma agilidade, talvez uma experimentação quanto ao desvelar da história pelos diálogos seria um maior desafio.

Desafio que encontra impedimento na escolha mediana do elenco de coadjuvantes. A réplica da atuação de Marlon Brando não funciona e a própria irmã de Jasmine mostra-se insuficiente para representar um personagem tão especial e forte para a narrativa tennessianna. Uma curiosidade, na versão da adaptação para cinema realizada nos anos 90, Alec Baldwin teria feito Marlon Brando sem muito destaque e agora, ele percorre aqui os mesmos papéis de sempre. Ou seja, é inegável que tratamos aqui de um filme para a verdadeira leading actress, daqueles que tombam no elogio ao tour-de-force.




O passado Jeanette entra em colapso com o presente Jasmine, o resultado disto é o próprio termo blue em inglês que vai brilhantemente descrever, perpassando do sentido cromático para o estado psicológico, uma das grandes sensações com as quais o espectador pode sair da sala de cinema; No cruzamento de emoções de cada um, pode haver o alívio de não ser o personagem, o desespero de poder se tornar ele ou mesmo de simplesmente se identificar. Woody Allen conseguiu, como em seus principais dramas existenciais dos anos 70 e 80, retomar o fardo de memórias e sensações para um espectador em seu momento pós-fílmico, mas desta vez com um diferencial, do ator e da direção de ator enquanto principal ferramenta do fazer cinematográfico. Acompanhados por um trabalho sonoro em Blues.

FIN