domingo, março 04, 2012

Sobre a formação e a desconstrução do espaço social



Uma das obras-primas do diretor italiano Luchino Visconti, ROCCO E SEUS IRMÃOS (1960) reitera uma das discussões mais importantes do movimento neorrealista em que o diretor ficou conhecido, a influência derradeira que o espaço social possui diretamente na vida dos indivíduos. No melhor formato deste tipo de linguagem que ainda hoje enaltece o Cinema, os filmes italianos deste período evocam a realidade a partir de suas inúmeras questões livremente não respondidas, mas nunca traçadas sem propósito. Uma discussão que elucida a complexidade de seus personagens, mostrando que a resolução de seus problemas engana o espectador com identificações e promessas de felicidade, mas não o instiga a refletir sobre elas e – excepcionalmente – sobre o espaço social na qual elas estão inseridas.

Um épico familiar de três horas de duração que marca o seu ponto de vista acerca da desintegração de uma família pelo espaço urbano. Enchendo-se de um tom alegórico e melodramático, incisivamente contemplado pela composição brilhante de Nino Rota, o filme conta a história de uma família que deixa o espaço rural e adentra ao caos urbano de Milão sem prever completamente as consequências desta ação. Segmentado em trechos que estudam os seus personagens, o roteiro com a direção virtuosa de Visconti utiliza uma linguagem que faz a narrativa estruturada e linear envolver o espectador gradativamente. Como se fosse um balão cheio de ar sendo sistematicamente incomodado com o espetar de uma agulha, até que sua explosão seja brusca e irremediável. Convidado a uma experiência sensorial neste campo, o espectador conhece Rocco (Alain Delon) e seus irmãos, Simone (Renato Salvatori), Ciro (Max Cartier), Vincenzo (Spiros Focás), Luca (Rocco Vidolazzi). Como também as interpretações fortes e fascinantes de duas grandes mulheres: a matriarca Rosaria (Katina Paxinou) e a devassa Nadia (Annie Giardot).




(spoiler)


Deparando-se com as dificuldades de se alcançar estabilidade social e econômica na cidade grande, a família Parondi descobre na sua estrutura o reflexo disso. A partir dos eventos pelos quais Rocco e seus irmãos são acometidos e que transformam, desintegrando-os enquanto família. Rocco é um homem incomum, possui uma espécie de tom triunfante em todas suas atitudes, e é representado quase como um herói romântico, esculpido pelas tragédias que espreitam a sua existência. Ao se apaixonar por Nadia, a mulher do irmão Simone, Rocco se sacrifica em prol da família. O que há no processo entre estes acontecimentos são uma série de infortúnios que culminam em três cenas-chave: a amada de Rocco sendo estuprada na sua frente pelo irmão, a abdicação de sua amada por Rocco e posteriormente a morte dela. A composição fascinante dos elementos de Visconti traz muita poesia textual e imagética a esta realidade, e a eles não lhes falta nenhum caráter roteirístico romanesco que vá diminuir sua última e poderosa mensagem. Um íntimo e verdadeiro olhar questionador das circunstâncias que mantém unida uma família e suas resoluções que em muitas vezes escapam da vontade dos indivíduos, deixando-os absortos ante ao vazio que responde suas dúvidas.



As reflexões de Visconti em Rocco 
são como uma fonte inesgotável de si mesma,
ainda hoje provocariam outras.

Um comentário:

  1. Olá Sylvio. Gostei muito de sua análise. Bastante interessante o seu ponto de vista.

    Espero suas impressões sobre minha análise deste clássico. Temos pontos de vista diversos sobre alguns aspectos, mas há muito em comum também.

    Um abraço.

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