Daisy Kenyon é um filme estadunidense de 1947 dos gêneros drama e romance produzido e dirigido por Otto Preminger para a 20th Century Fox. A história é sobre um triângulo amoroso acontecido na época do pós-guerra. O roteiro de David Hertz foi baseada na novela homônima publicada em 1945 de autoria de Elizabeth Janeway. Daisy Kenyon (Joan Crawford) é uma artista em Manhattan e tem um caso amoroso com o advogado casado Dan O'Mara (Dana Andrews), que mantém a sociedade de um importante escritório com o sogro rico. Daisy se encontra com o veterano de guerra e viúvo Peter Lapham (Henry Fonda) e mesmo hesitando, aceita se casar com ele. Dan continua a ir atrás dela e sua esposa Lucille acaba descobrindo o caso e pede o divórcio.
Dentre os muitos elementos marcantes do filme, existe um que dificilmente não é percebido: o telefone, objeto operante como um verdadeiro personagem neste notável
melodrama de Otto Preminger, uma produção que chama atenção por não ser o que aparenta.
Ironicamente, este é um dos principais argumentos do filme, tentar retratar
relações amorosas cujos contratempos em função de seu interior desconhecido revelam
a complexidade acerca dos sentimentos humanos. O trabalho de Preminger constrói
a fotografia do filme com uso específico de luz e sombra, o que facilmente iria
caracterizá-lo como film-noir. No entanto, o cerne de seu mise en scène
revela-se durante a sessão com um apelo muito mais preso a dar ambiente às sensações
do exuberante romance do que atingir o espectador com uma qualidade de tensão
sinistra ou criminal, como seria descrito o gênero em termos restritos. Muito
menos de Joan Crawford se poderia dizer que é uma Femme Fatale. Daisy Kenyon é
um tipo de personagem que Crawford interpreta com segurança, uma mulher
frustrada e confusa. Dividida entre dois amores, Daisy precisa se decidir e sua
escolha foi construída de maneira curiosa, levando em consideração a direção
minuciosa e racional de Preminger. Os dois amores, Henry Fonda como veterano de
guerra/designer de barcos sereno e perspicaz, símbolo de estabilidade; Dana
Andrews como o advogado com lábia, filhos e já casado, que tira o fôlego da
protagonista, a razão da agonia de Daisy Kenyon. Fonda e Andrews estão ambos
ótimos neste triângulo amoroso que merece o prêmio do mais esquisito já feito
na história do cinema hollywoodiano.
Embora o desencadear da maioria dos eventos
se dão de maneira clichê, é interessante – por excelência – observar como este
retrato de relações amorosas e humanas de Preminger provoca os ideais americanos,
incluindo ainda a questão da grande guerra e sua consequência moralista para a
trama. Os primeiros entraves sociais em Daisy Kenyon se desdobram a partir do
casamento de Kenyon com o personagem de Fonda (Peter Lapham), primeiramente por
se sentir frustrada com o fato do personagem de Andrews (Dan O'Mara) não ter
largado a esposa por ela e depois por querer estabilidade para sua vida.
Contudo, os elementos críticos mais polidos deste melodrama surgem com o melhor
conhecimento dos personagens, e o entendimento que muitos deles tem em comum o
triste fato de já terem sido substituídos por alguém. Dan O'Mara deve largar sua
mulher e filhas pela amante Daisy se ele a ama? Peter Lampham possui intenções
honestas quando casa alegando precisar de alguém e não se importando com o fato
de que Daisy ama outro? Perguntas como estas não são expressas na trama de maneira
convencional, como costumam aprovar personagens sobrecarregados pela culpa sob
a qual nossa sociedade estrutural se debruça. Pelo contrário, Daisy não é punida
por ser amante. A esposa traída de O'Mara chega a reconhecer que fez mal em
abrir o processo e magoou a amante, algo realmente inusitado. Não há brigas e
os dois galãs apaixonados por Daisy não se pegam no tapa por ela, mas conversam
civilizadamente. Tudo isso indica a racionalidade de Preminger ao conduzir a
história que satiriza implicitamente muitos ideais e questões pré-concebidas
sobre papéis sociais e suas derivações, sejam elas no que compreende o certo e
o errado, concepções que deveriam variar, mas foram delimitadas fortemente na
nossa cultura. Este poderoso argumento no filme chega bem próximo de superar
os seus clichês e pode servir de subsídio para muitas discussões sociológicas. A
subestimada Daisy Kenyon merece reconhecimento por valer muito enquanto
filme-constatação de um ensinamento mais que valioso, isto é, o processo de
substituição amorosa será sempre um fracasso e, no caso de Daisy, há também a vitória da racionalidade sobre a emoção. Agora observe a imagem abaixo da cena em que o triângulo discute a relação.
Imagem emprestada do honroso acervo de imagens Dr. Macro.
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Não percebe algo inusitado?
E agora?!
Lendo esta interessante metáfora imagética, entrego-me lunaticamente a esta inusitada trama. Perceba como as escolhas alcoólicas de Daisy e Dan são parecidas e acabam representando o sentimento lascivo que os une. O resultado disso não é bom e a prova disto é o curativo na testa de Dan, indicando a briga que tiveram outrora. Em contrapartida, a bebida de Peter que pode aparentar uma escolha enfadonha, como um refresco, tem um destaque na cena quando o garçom as deixa. Assim como o encontro de seu rosto com o de Daisy que representa a tendência da protagonista a optar pela estabilidade, encontrada no personagem de Peter, viúvo, 24 horas poeta e disposto a amar. Além de formar perfeitamente um coração. Nisto, então, há um paradoxo. Embora Daisy prefira a estabilidade, a sedução que encontrou no homem casado lhe parece ser algo difícil de abrir mão. Vice-e-versa.
Entre o amor e o pecado.
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