É um urso emblemático das
narrativas infantis mais recorrentes pelo mundo, publicado pela primeira vez em
1926. Seu autor britânico Alan Alexander Milne, conhecido pela abreviação A. A.
Milne, construiria as histórias a partir da relação do filho Christopher Robin
Milne com seus brinquedos, daí a inspiração para o nome Christopher Robin que
também atenderia por Paulo Roberto, depois Cristóvão, nas dublagens.
Christopher gostava de brincar com o seu teddy bear chamado Winnie-The-Pooh, inspirado
por Winnie, a famosa ursa preta de um zoológico londrino que viveu de 1915 a 1934, era mascote de
guerra e foi visitada como uma celebridade. O urso Pooh enquanto pet de
Christopher e ferramenta singular para as vivências infantis, tida assim por
teóricos como Donald Winnicott, costuma a partir de tal importância no
exercício da imaginação ser referência de estudos psicanalíticos até mais do
que apenas representação de recreação entre crianças. Com a interessante
abordagem emocional de A. A. Milne para com seus personagens, a diversidade que
acomete cada uma daquelas relações e o senso de quotidiano, jogos e desafios de
todo dia, a enriquecida história daquele que viria no Brasil a ser conhecido
como Puff, um urso guloso, torna-se prato cheio para a produção de Walt Disney.
O primeiro longa-metragem – “The Many Adventures of Winnie the Pooh” – foi
lançado para os cinemas em março de 1977, contendo história s curtas com as vivências de Pooh e seus amigos que partem acima de tudo do imaginário de Christopher e compreendem uma forma de acompanhá-lo pela sinuosa trajetória infantil rumo à realidade.
Winnicott vai discutir com a
expressão realeza da ilusão em seus tratados sobre o brincar e
a realidade, sobre os objetos e fenômenos de transição, a infância como período
do indivíduo que molda pelas tarefas quotidianas o que é necessário ao ingresso
na realidade e, por conseguinte, a identificação da parte que fica para trás,
junto aos brinquedos.
O urso Pooh tem espaço tão prioritário na obra do autor
que posteriormente houve quem propôs uma sacada linguística para o nome do
autor e do urso: ler-se-ia em Winnicott, “Winnie” – o urso, “Cot” – o berço,
obtendo disso a idéia “urso de berço”, expressão que dá peso ao conceito que
trata Pooh como ferramenta de auxílio infantil.
Para Winnicott, a idéia parte
muito do apelo freudiano à figura do peito que estabelece para a criança o
sentimento de posse daquilo que lhe satisfaz, a construção de uma ilusão. A
responsabilidade da mãe ao afastar o peito da criança surge como a ruptura
desta relação, impondo a regra e necessidade de encarar a realidade. No auge de
vivências infantis com seus brinquedos, Christopher Robin identifica aqueles
personagens como uma realidade para si que em breve poderão ser reconhecidos
como objetos de transição, a ponte que tende – pela ruptura desses mesmos desejos
e pela via das normas culturais – a levar o indivíduo ao mundo dos adultos.
Ressaltou o autor também a alarmante questão de que o sucesso da própria
ruptura está com o consentir de que a ilusão perdure por algum tempo. Ou seja, é
necessário que Christopher adentre ao universo de seus personagens, encontrando
especialmente na figura dos pais o consentimento a estas vivências, para que futuramente
consiga deixa-lo.
É interessante notar que a produção da Disney
explicita a transição do brincar à realidade, quando abre o filme em
live-action, capturando os brinquedos do protagonista e, ao abrir um vistoso
livro de capa dura, torna a narrativa uma animação, efetivamente. No desfecho do filme, o livro fecha como se imagina, retornando novamente ao espaço do quarto do principal individuo responsável pela formação da narrativa. Tal como seu garoto
protagonista, o urso Pooh enfrenta medos também na sua realidade (vide a imagem anterior), um deles é de
perder a companhia daqueles que estima (as duas próximas imagens) ou até mesmo do seu alimento predileto – o mel, lembrando-nos por isso como os pequenos em seus paladares particulares
costumam criar fixações por alimentos específicos. As duas próximas imagens representam uma cena do filme que renderia um prato cheio de possibilidades a uma percepção psicanalítica, quando Pooh sonha exatamente com uma ameaça de perda suscitada por seu colega tigre. Não é qualquer perda, é a perda a um ser desconhecido, o "efalante", cuja existência chega a ser questionada por Pooh que termina aceitando a possibilidade por desconhecer absolutamente aquilo que falou o colega.
No quotidiano do urso Pooh,
notaremos a presença de Christopher Robin como o salvador da pátria. O garoto
aparece na hora em que os animais mais precisam, quando Pooh está preso na
entrada da casa do coelho depois de tanto comer, durante a enchente na floresta
e até no insucesso de Pooh em trapacear as abelhas para conseguir mel. A
identificação com os personagens que ele próprio configura vida apresenta as
diversas facetas de si, talvez até as vontades que gostaria de realizar. O
tigre lhe daria a vontade de pular, movimentar-se e gastar energia até o máximo
do cansaço. O coelho pode lhe mostrar o senso de responsabilidade e organização
com os quais talvez menos se importe, já que nele geralmente há uma expressão
de desânimo que só não é maior que a de Eeyore, conhecido na dublagem como
Bisonho. Este é tão melancólico que quando está presente deixa todo o resto numa
temporalidade mais lenta. Sempre insatisfeito com a posição de seu rabo, parte
do corpo que está curiosamente posta em si por meio de um prego. Ainda tem o
pequeno Piglet ou Leitão, cor-de-rosa, gago e muito amável, o destaque nas
horas de tensão com sua expressão eloquente de medo. A coruja está ali como
algo que já conhecemos, a sabedoria. Talvez os personagens mais interessantes
para uma percepção assim sejam os cangurus, mãe e filho. A mãe Kanga expressa
por meio de uma voz que apazigua cada momento os desejos de uma mãe
winnicottiana. A seu filhote Roo, ela deseja brincadeiras e passeios, mas
também responsabilidade e um retorno seguro a casa.
Quando se pensa em todos
esses personagens, notaremos a sensibilidade por trás das representações do
quotidiano. As tarefas simples do dia a dia talvez sejam mais influentes psiquicamente
que aquele grande dia em que algum acontecimento está por vir. O fato ordinário
costuma ser interiorizado de tal forma que não se lembre dele, como ocorre com
os hábitos, tornam-se mecânicos, quase involuntários. Neste campo, entra a
força do inconsciente freudiano. Ao tratar da infância, uma discussão
interessante desta forma de análise é a formação do eu. Por exemplo, Freud
descreveria o espelho como uma fase em que a criança começa a tomar
conhecimento das limitações do próprio corpo. Curiosamente, o urso Pooh acredita
que o seu reflexo no espelho é outro ser, quando costuma conversar com ele e
lhe fazer pedidos, acreditando que ele lhe compreende.
No somatório de todas as
possibilidades que o filme vai suscitar, uma de grande carga enigmática é não
exatamente a inconsciência, mas a consciência e a razão para Pooh. Por exemplo,
ao descrever aspectos de sua personalidade, não se poderia evitar sua ociosidade,
o desejo pelo relaxamento, pela comida que apetece até o máximo de satisfação.
Contudo, o que dizer a respeito de um lugar reservado a si, chamado de “Pooh’s
Thotful Spot”. Escrito de
forma equivocada, o que pressupõe por uma criança, a expressão deveria ser “Pooh’s
Thoughtful Spot”, literalmente um lugar pensante de Pooh. O escrito aparece
numa placa próxima a um tronco para se sentar na sombra de uma árvore, onde se
pode pressupor um local de tranquilidade e relaxamento para pensar. Em meio a
um turbilhão de atividades, de gozos e insatisfações, os pequenos podem
encontrar também o momento de parar e pensar, pensar talvez até na primeira
coisa que puder lhes passar pela cabeça.
The Friend,
poema sobre Pooh por A. A. Milne
There are lots and lots of people
Who are always asking things,
Like dates and pounds-and-ounces
And the names of funny kings,
And the answer’s either Sixpence or
A Hundred Inches Long,
And I know they’ll think me silly
If I get the answer wrong.
So Pooh and I go whispering,
And Pooh looks very bright,
And says “Well, I say Sixpence,
But I don’t suppose I’m right”
And then it doesn’t matter
What the answer ought to be,
‘Cos if he’s right, I’m right,
And if he’s wrong, it isn’t me.
Leituras recomendáveis, fontes de inspiração.
http://www.lavasurfer.com/wtp/pooh-bennett.html
http://hls.uwe.ac.uk/research/Data/Sites/1/journalpsycho-socialstudies/july2011/gillbuswellabearintheattic.pdf
http://www.angelfire.com/ma/alee13/poohpoems.html
Descoberta necessária para os curiosos por psicanálise. Belo trabalho, Syl.
ResponderExcluirMuito boa a análise, dá gosto de ver a psicanálise liberta num blog de cinema, sem formalismos e ainda assim (ou talvez justamente por isso) suscitando tantas nuances dessa discussão.
ResponderExcluirMas vendo o interesse pela psicanálise e indo um pouco na contramão do meu comentário, também gostaria de fazer uma indicação interessante sobre o assunto.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v43n79/v43n79a17.pdf