Em A WOMAN'S FACE (1941), Joan
Crawford encara e supera o que haviam lhe avisado como um risco a sua carreira,
interpretar uma mulher cujo rosto deformado acidentalmente a transformaria numa
maligna e frustrada criatura. Baseado em "Il était une fois" de Francis de Croisset
como também na primeira adaptação cinematográfica e sueca (1938, Dir. Gustaf
Molander) com Ingrid Berman, este fascinante trabalho de George Cukor diferencia-se a
partir de uma linguagem brilhantemente construída nas obscuridades de seus
personagens, narradas com uma sucessão de flashbacks e, através dos 106 minutos
de duração, nunca perpassa as paredes de um tribunal. A narrativa desencadeia
diversas intrigas, conspirações e por fim reviravoltas que talvez não sejam tão
prováveis quanto o envolvimento implicado no espectador pelos atores em tais
eventos, não obstante ainda ao fato de ser uma refilmagem e sair muito
bem-sucedida enquanto veículo para Crawford.
Cukor dirige muito bem cada ator
de forma que o espectador consiga observar os detalhes dos eventos que merecem
uma atenção especial. Não se pode esquecer como a edição na montagem de cada
fotograma parece ser milimetricamente orquestrada, desvelando aos olhos do espectador
belas imagens a serem guardadas na memória. Vide os crossfades de Anna Holm/Ingrid
Paulssen dançando ao som do piano, a cena-chave de suspense em que ela e a
talentosa criança Richard Nichols (garoto de apenas 6 anos na época e já tinha
aparecido em outros filmes, como "Tudo isto e o céu também", estrelando Bette
Davis) são vistos numa linda paisagem de neve sueca, os primeiros momentos –
respectivamente – em que o espectador vê o rosto marcado e posteriormente a
transformação física e espiritual proporcionada pela cirurgia plástica do médico
apaixonado Gustaf Segert. Discordo que a moralidade de retratar a mudança
psicológica da personagem de Crawford como antes e depois da cirurgia, uma
mulher amarga/frustrada/maldosa que se transforma noutra esperançosa/altruísta/amável,
esteja superficialmente debruçada em metáforas superficiais. Pelo contrário, a
forma como a narrativa desencadeia a personalidade de cada um daqueles
indivíduos me faz crer que há maior complexidade no cerne de tudo isso, não
obstante ainda às tramoias da narrativa que não são lá muito plausíveis. Ao
tentar traçar uma trajetória para a personagem Anna, em seu contexto ficcional,
percebe-se uma gigantesca recusa social de sua aparência deformada, na qual
muitos das figuras coadjuvantes ainda exprimem possivelmente o que seria um
terrível preconceito àqueles que fogem dos padrões e isso ao longo da narrativa
se faz mais que explicitamente. A consequência dessa atitude social é fatal e
não que vá realmente transformá-la numa mulher chantagista ou ladra, mas
possivelmente implicaria nela gravíssimos ou ainda irremediáveis conflitos
emocionais. É interessante, irônico e até sagaz como filme mostra o oposto disso
no momento em que a protagonista é operada. Ao sair na rua pela primeira vez, a
personagem é colocada frente a uma metáfora, uma criança que sorri para ela
intensamente, admirando sua beleza, isto é, simbolizando que a sua nova
aparência pode e irá permitir que ela seja bem recebida onde um dia já foi
humilhada. Por mais Camp, exótico ou caricato que isso vá parecer, o nosso
contexto social não está muito longe disso. Ótimo filme, sustentado em fascínio
pela sua principal atriz, num argumento concreto e nos diversos artifícios de
abordagem caricata, melodramática como a maioria dos filmes da época, todavia
magnífico por conter em seu anseio por entretenimento uma alfinetada genuína à
sociedade hollywoodiana.
"Since the day I met you, you presented a perfect picture of the most ruthless, terrifying, cold-blooded creature I've met. It's been a picture which has fascinated me." Palavras do médico sobre sua paciente, personagens de Melvyn Douglas e Joan Crawford. Assino embaixo.
Quando Frankenstein retorna à Hollywood num rosto de mulher, um filme de peso social e artístico que realiza tudo isso em moldes démodé.
Syl, não tenho muito o que dizer porque tudo o que pode ser escrito sobre esse filme você já fez. Mas preciso elogiar a ótima performance de Joan Crawford que foi essencial para tornar Anna/Ingrid uma personagem inesquecível. Grande filme que merecer ser visto. Se bem que depois da tua crítica para o filme não tem como não querer ver :D
ResponderExcluirOlá Sylvio!
ResponderExcluirGostei do texto. Preciso rever, inclusive muitas fitas da filmografia de Cukor. Sou suspeito para dizer qualquer coisa de Joan Crawford. Revi recentemente "Grande Hotel". Ela esta linda!
Me segue
http://cinemarodrigo.blogspot.com.br/
Abs.
Te lincarei ao meu blog.