quinta-feira, abril 26, 2012

Tudo Sobre Eva


Em "Queen Bee" (1955), Joan Crawford foi incumbida de ser a abelha-rainha como manda o figurino, soltando os ferrões, sutis e mortais. Uma narrativa menos surpreendente do que se esperaria, marcada excepcionalmente por agradar aos fãs da atriz com frases de efeito sarcástico e elegante. O figurino magnífico de Jean Louis veste a maliciosa personagem de Crawford (Eva Phillips), uma mulher solitária que tortura os outros com os subsídios de suas frustrações. Este drama de temática familiar foi dirigido por Ranald MacDougall, conhecido pelo roteiro de "Mildred Pierce" (1945), e constrói personagens muito interessantes. A narrativa parte da ideia comum da pessoa que visita determinada casa habitada por uma família cujas dificuldades de convivência e conflitos afetivos não estão aparentes, podendo desdobrá-los gradativamente conforme o visitante se envolve com cada um deles. Fórmula que eu chamaria de "A Visita", utilizada algumas vezes pelo escritor Tennessee Williams em textos como "Gata em Teto de Zinco Quente", "Um Bonde Chamado Desejo", além de outras que reviram como nunca o passado, em "Sonata de Outono" de Ingmar Bergman, ou a comédia britânica de humor negro "O Aniversário" com Bette Davis, de Roy Ward Baker.
 Jennifer é uma garota bonita, ingênua e amistosa que visita, a convite da prima Eva Phillips, a casa dos seus familiares sulistas, em Georgia. Quando chega, depara-se com a cunhada de Eva, Carol Lee Phillips (interpretada pela famosa Betsy Palmer de "Sexta-Feira 13"), o marido bebum Avery Phillips que se refugia no álcool para se esquecer das frustrações matrimoniais e tem uma cicatriz, cujo horror é ironizado pela esposa Eva com o apelido "Beauty" ao marido. A garota se assusta com o astral esquisito em que a casa está imersa e chega até a achar que tem culpa por isso. Posteriormente, compreenderia o passado glorioso e depravado de Eva que inclui affairs com homens casados e ainda com o bonitão Judson, administrador na fábrica do grande amigo Avery, pretendente de Carol no tempo presente da narrativa. A forma com a qual o filme desvela o seu tempo psicológico, indicando as condições trágicas dos eventos anteriores à chegada de Jennifer, funciona muito bem e, não obstante ao ponto final descartável da trama, merece cuidado ao ser analisado. Joan Crawford como Eva está uma vilã adorável que desfila com suas maneiras ofensivas e elegantes, procurando o defeito em todos para poder destroça-los sem cerimônias, só que em alto estilo de superficialidade e educação. Brigas entre mulheres com tapas estão sob a forma de disputa social e ostentação. Décadas depois, Christina Crawford (1978) publicaria em seu livro de memórias sobre a mãe que teria odiado o filme no ano em que assistiu. Joan Crawford não interpreta a personagem Eva, mas ela mesma quando está em casa bêbada e no seu pior, descreve Christina em sua ácida narrativa e, curiosamente, sempre colocando entre aspas a palavra "mamãezinha".

"When I saw her movie called Queen Bee about a year later I hated it. I found the entire film horrifying. That wasn’t any acting job on Mother’s part. It was exactly the way I knew her at home when she’d been drinking and was at her very worst. That woman on the screen really was my mother".
(CRAWFORD, Christina. 1978, p. 185)



Por infortúnio, a trágica e deliciosamente fotografada sessão de "Queen Bee", em que suas atuações e entraves outrora prometeram uma ótima ironia social, termina por rumos indesejáveis, inconvincentes e que funcionariam melhor em telenovelas. Todavia, o filme não envelheceu tão mal e não parece também que irá se cansar de exibir a talentosa figura de Eva. "Uma mulher tão sórdida que queremos vê-la morta", e eu cito observação pertinente do amigo Lucas Leigh a um dos quais esta análise é dedicada, além de que esta frase de efeito – também elucidada noutras palavras pelo crítico Bosley Crowther em The New York Times – foi caracterizada nas memórias de Christina Crawford como o resumo perfeito do filme.

MEL

"Ó, abelha-rainha
Faz de mim um instrumento
De teu prazer, sim, e de tua glória
Pois se é noite de completa escuridão
Provo do favo de teu mel
Cavo a direta claridade do céu
E agarro o sol com a mão."


Mel, interpretada por Maria Bethânia.



Referência Bibliográfica

CRAWFORD, Christina. Mommie Dearest. 1st Ed. NY: Berkley Books, 1978.

Um comentário:

  1. Wow! Adorei a crítica para o filme. Ainda mais as citações do livro escrito pela filha de Crawford. Só em saber que Joan estava interpretando a si mesma, torna tudo mais sublime. Se eu já me senti desconfortável com a Queen Bee, imagina a filha...

    "Joan Crawford como Eva está uma vilã adorável que desfila com suas maneiras ofensivas e elegantes, procurando o defeito em todos para poder destroça-los sem cerimônias, só que em alto estilo de superficialidade e educação."

    Acho que esse é o pior tipo de vilã e ela faz isso como ninguém. A primeira vez que assisti esse filme foi inevitável querer que ela morresse, mas com o tempo acabei gostando dela hahaha.

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